BIG|BRAVE no gnration (Braga) | Um Bouquet de Flores Perdido Numa Revolução
© Diogo Carvalho
Em 2025, a programação cultural de Braga apresenta-se reforçada pela iniciativa “Braga 25 – Capital Portuguesa da Cultura”. Theatro Circo, gnration e outros espaços têm recebido uma miríade de espetáculos de várias vertentes, assinalando a importância da Cultura no desenvolvimento desta cidade. A 5 de abril, depois de passagem pela sala ZdB (Zé dos Bois), em Lisboa, os canadianos BIG|BRAVE regressaram a Portugal para apresentar o seu oitavo álbum, ‘A Chaos of Flowers’ (2024), compondo assim o leque de artistas e bandas da programação bracarense. Alfredo Fernandes expõe a sua perspetiva sobre o concerto do trio/quarteto canadiano no gnration, acompanhado de uma reportagem fotográfica de Diogo Carvalho. Todos os direitos reservados.
À medida que se atravessava a entrada da sala black box do gnration, em Braga, éramos recebidos por um fumo denso e uma iluminação a meio-gás. Ecoava um burburinho pela sala, sinalizando a expectante curiosidade dos que se aproximavam do palco. Diante da plateia que se formava, duas torres de amplificadores e inúmeros pedais emergiam do degradê luminoso que submergia o cenário. Simbolismo de bom augúrio, portanto... Na tarde de 5 de abril, BIG|BRAVE passavam pelo espaço bracarense, no contexto digressão europeia de apresentação de ‘A Chaos of Flowers’, álbum lançado em abril de 2024. A programação de “Braga 25 – Capital Portuguesa da Cultura” dava continuidade, desta forma, à atmosfera de nuances lúgubres proporcionada na semana anterior por Keeley Forsyth, no Theatro Circo. Por sua vez, o experimentalismo sonoro e a autenticidade lírica do oitavo álbum do trio canadiano revela-se como uma urgência necessária, neste período de frágil estabilidade. Braga, e o gnration em específico, sobressaíam-se como espaço adequado para a apreciação da performance em questão.
Suave e silenciosamente, os artistas foram saindo dos bastidores e tomando a sua posição perante a atenção da sala de espetáculos. A mínima – ou até ausente – troca de olhares com a plateia naquele ambiente nebuloso insinuava-se como um sopro frio na barriga. A entrada de BIG|BRAVE assemelhou-se a uma calmaria passageira, antes da tempestade vaticinada. O início dúbio e introspetivo foi rapidamente fendido pela reverberação e feedback do baixo e das guitarras (‘chanson pour mon ombre’). Perante a expressão fixa do público, agigantavam-se continuamente numa distorção que crescia em fração de segundos. Após a imediata imersão na realidade escura da banda, sentia-se uma comodidade no caos sonoro que alinhavam, em claro conflito com o ruído do silêncio nas pausas entre temas.










O projeto de Montreal – que transita para quarteto, com a adição de Liam Andrews (baixo) na atual digressão – estabelece-se firmemente numa matriz minimalista de padrões ofegantes. Após uma década de atividade e oito álbuns editados, assumem um papel de destaque no panorama musical através da sua conjugação de post-rock experimental e drone metal. Ao vivo, a banda constrói vagarosamente uma barreira sonora que vai cavalgando entre e através dos corpos presentes. Os decibéis em feedback penetram-nos com uma placidez voraz que nos guia para um estado de catarse hipnótico. Permear por este instrumental colossal não é, de todo, uma experiência acessível para um ouvido sem adaptação prévia. Porém, ‘A Chaos of Flowers’ (2024) não está agrilhoado a uma matemática soturna. BIG|BRAVE ancoram, aqui, uma beleza improvável no seio da sua manifestação corpulenta, que, por si só, aporta a horizontes inesperados.
Engolida pela penumbra que se instalara em palco, Robin Wattie (voz) surge como uma centelha de esperança naquele portentoso negrume musical. O rosto sério e estático da vocalista conferia um equilíbrio melódico ao momento. Muito embora, debatendo-se entre clamor e eco seco, recusou-se a ser abafada pela intempérie orquestrada em paralelo. As mensagens que nos chegavam pela sua calidez vocal demonstravam uma aversão pela apatia, esboçando-se serenas ou assertivas no instante mais adequado. Perante a triste atualidade que se deteriora diante dos seus olhos, a vocalista procura alento intemporal nas vozes e poesia de Emily Dickinson, Renne Vivien ou Yosano Akiko, entre outras. Junto dos espectadores, aborda-nos com a sua perspetiva sobre intimidade, sanidade e individualidade, sob a ameaça constante da turbulência social que nos inquieta (‘theft’). Assim, enredada pela maré ruidosa que se arrastava e camuflada pela parca iluminação, Robin Wattie permanece firme, num ato de feminilidade determinada (‘i felt a funeral’). Um bouquet de flores perdido numa revolução, diria...









Os restantes elementos do projeto, por sua vez, adensavam sem freio o instrumental. Mathieu Ball (guitarra), em contínuo movimento pela ala esquerda do palco, contrastava com a postura aparentemente inflexível da vocalista. Frente a frente aos amplificadores, observávamo-lo com frequência num exorcismo de demónios em distorção na sua própria guitarra. Andrews e Ball repetiam a exata coreografia durante todo o concerto com uma brandura facial. Mantendo o olhar longe da plateia, cravejavam os drones nos espectadores com uma quietude invejável, juntamente com a fisicalidade rítmica de Tasy Hudson (bateria). Os graves do baixo, a provocação das investidas nos amplificadores e a bateria pujante penetravam-nos pelo corpo, sem qualquer aviso prévio. O cenário tântrico edificado pelo quarteto desorientava-nos momentaneamente, para logo depois nos tornar a reorientar ao largo da meditação lírica de Robin Wattie (‘not speaking of the ways’, ‘quotidian : solemnity’). Este exercício de introspeção, musculado e calculista, repetiu-se vezes sem fim, levando-nos consigo na reestruturação brutal do instrumental. Wattie, Hudson, Ball e Andrews revelaram-se gigantes, pujantes e catárticos diante de uma plateia rendida desde o primeiro instante. Sem dúvida, o nome “BIG|BRAVE” fazia jus ao projeto que assistíramos com admiração!
Nos instantes finais de ‘moonset’, Wattie emerge a capella solitariamente entre a crueza sonora que antes nos abraçara. Enquanto eco no turbilhão, não me havia apercebido do quão bonita era a sua voz! Contrariamente, o freio instrumental preencheu-nos com um silêncio ensurdecedor e o que até então encarávamos como zona de conforto, dissipou-se, levando consigo a bruma. Com um sorriso enternecedor, a vocalista dirigiu-se pela primeira vez ao público, agradecendo a dedicação e atenção e, seguidamente, despedindo-se. As suas palavras foram prontamente acompanhadas por uma sentida e prolongada ovação. De quando em quando, revelações como esta são necessárias, para avivar centelhas antigas.