FAUP Fest ‘25 | O Futuro Precisa de Ajuda
© Diogo Carvalho
A 16 de maio, FAUP Fest tornava a ocupar os jardins da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP), num regresso assinalado pela comemoração do seu décimo aniversário. Organizado e dinamizado por estudantes da respetiva faculdade - marcando o evento com um cariz DIY e de coletivismo -, o festival portuense é reconhecido como um espaço de descoberta do panorama independente da Música. O cartaz de 2025, composto por artistas e projetos emergentes nacionais, revelara-se suficientemente ambicioso e relevante numa indústria em busca de uma constante inovação. Alfredo Fernandes (redação) e Diogo Carvalho (fotografia), depois da sua passagem anónima em 2024, regressaram expectantes ao festival, usufruindo com sucesso da ocasião festiva dessa noite. (Todos os direitos reservados)
Entrar no recinto do FAUP Fest pelo segundo ano consecutivo proporcionava-me uma sensação de bem-estar pouco usual nos festivais, hoje em dia. Celebrava-se, em 2025, uma década de um evento que abraçara um compromisso de relevância e inovação no panorama nacional independente. O elenco de projetos emergentes apresentados no cartaz era um exemplo desse esforço. Enquanto explorava as bancas da “feirinha” entre os edifícios centrais da FAUP (Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto), juntamente com o Diogo Carvalho (fotógrafo), programei mentalmente o itinerário de concertos para aquela noite. Em simultâneo, um sopro suave emanava de uma das extremidades do festival e, movidos pela curiosidade, descemos a escadaria na sua direção.
A inaugurar o Palco Toca, uma flautista presenteava a plateia sentada com uma performance intimista e introspetiva. Ao centro do espaço – um palco improvisado no átrio coberto de um dos edifícios –, Violeta Azevedo sentara-se numa cadeira, descalça, manobrando com os pés os pedais com uma delicada elegância. Da sua flauta transversal exalava uma amenidade que acolhia os espectadores numa quietude singular. No seu projeto a solo – colaborou, paralelamente, com Filipe Sambado, Jasmim ou Savage Ohms, para além de integrar o Septeto Interregional –, Violeta aparta a tradicionalidade musical e guia-nos por um abstrato e experimentalismo graciosos, enfatizando a beleza magnetizante do instrumento. A fragrância ambient que propagou tornara-se etérea e intangível, o que requeria uma concentração e absorção plenas para melhor fruição. Infelizmente, chegara no final do concerto, não sendo possível usufruí-lo na íntegra. Ainda assim, serviu como uma agradável introdução à programação que me aguardava.
De modo contrastante, confesso não ser seduzido pela atmosfera festiva de Claiana. A sua presença em palco era, no entanto, suficientemente carismática. O artista tirou o máximo proveito das influências exóticas da sua sonoridade para cativar novos ouvintes, e com sucesso. O baixo gingão de Luís Masquete e os samples de Francisca Sousa arrancaram os primeiros “pezinhos de dança” do dia, numa plateia que se espraiava ao sol, no jardim do Palco Árvore. Por motivos de logística, não alonguei a estadia no cenário e jantei antecipadamente, período qual dominado por uma saudável discussão de perspetivas sobre o anterior concerto – contrariamente, o Diogo gostou da proposta desinibida de Claiana, referindo que, de facto, se adequava à celebração a que o festival se propusera. Para eventual tira-teimas, tornarei a assistir a um concerto do artista cabo-verdiano, em breve.
Acautelando devidamente a distância entre palcos e os horários (não queria falhar o início da performance de EVAYA), aproveitei para espreitar o concerto que decorria no Palco Carlos Ramos. Diante de uma árvore prostrada, devidamente decorada, e perante uma plateia bem composta, Matilde (voz) despejava, ao microfone, uma narrativa infindável que divagava por uma atualidade exacerbada e esmiuçada ao pormenor. O trio de músicos que a circundava precipitou-se num instrumental momentaneamente desconexo e experimental. c-mm, banda de Sintra com ligação ao coletivo GRAVV., poderá ser analisada como um produto “de margem”, drenado pelo legado artístico de projetos como Swans ou uns mais recentes Sereias. A sonoridade que desvendam é dissonante e aparentemente desafinada, encontrando um equilíbrio melódico no noise rock, no post-punk e no spoken-word poetry. A guitarra de Diogo Mendes é áspera, enquanto que Gui Nogueira (baixo) e João Carvalho (bateria) potenciam uma tensão arquejante nos espectadores. Matilde, que conseguia firmemente sobrepor a assertividade vocal face à dissonância elétrica dos colegas, tateava por um dramatismo desafiante, dominado por personagens pretensamente absurdas (‘Zé Gato’). De forma bastante crua, aproximava-se da perspetiva de narradora improvável e desinteressada de Florence Shaw (Dry Cleaning), arremessando-nos com sarcasmo contundente para um reflexo distorcido da sociedade. Como experiência auditiva, aguçou-me a curiosidade para futuras audições.










Regressado ao Palco Toca, prenúncios de uma multidão ladeavam o cenário. Nico Eon (eletrónica) e polivalente (guitarra, eletrónica), na lateral esquerda do palco, posicionavam-se resolutamente em torno da maquinaria eletrónica e cediam o restante espaço para a deambulação de EVAYA (voz). De olhos fixos na sua envolvência, a artista soltou um suspiro potenciado por efeitos vocais, à medida que as cadências graves se avolumavam e nos ambientavam na proposta avant-garde. Conceptualizado e manobrado por EVAYA e transposto, ao vivo, pelos dois músicos que a acompanham, o instrumental começou por transitar entre a estranheza experimental e uma envolvência melodiosa (‘contemplação’). Porém, a intriga de imediato aportou numa intimidade reflexiva que nos chegava através da voz primorosa da artista, desvendando o rumo ligeiramente linear de ‘Abaixo Das Raízes Deste Jardim’ (2024).
A sonoridade identitária da persona de Beatriz Bronze convoca-nos numa jornada de descoberta individual e de empatia. O LP de estreia aprofunda esta temática mediante uma impressionante habilidade lírica e sensibilidade artística. EVAYA assume-se a mediadora de um diálogo constante entre uma eletrónica abstrata, de refrões aliciantes (de ‘atenção’ a ‘morro nasço e nunca é tarde’), e a agitação mental e emocional do quotidiano de uma geração jovem. Perante o público que a seguia com o olhar, semelhante equilíbrio musical foi alcançado a partir das palavras que articulava pausadamente. Caminhando sem urgência pelo palco, as reflexões da artista expandiram-se gradativamente em direção ao conforto dos espectadores (‘dança da mudança’). Os versos proferidos num sorriso dançado e subtil entrelaçaram-se numa magia bastante íntima, constituindo uma sensação de aconchego e inspiração para quem a escutava (“Existe uma fonte/Infinita de beber/O poder de imaginar/O poder de querer”, em ‘a fonte’).
De súbito, assim que se propagaram os samples crescentes e peculiares de ‘florir’, um entusiasmo generalizado esboçou-se nos nossos rostos, e os corpos, anteriormente sossegados, libertaram-se numa dança concordante com a empatia confessional da vocalista. As batidas da drum machine de polivalente constituíam um importante fator de desinibição, motivando os espectadores nessa diurna estranha pista de dança. O final do concerto encaminhou-nos, assim, para um clímax surpreendente, de estética pop, dançável e liricamente desarmante (“eu já sei o que eu não quero/e o que eu não quero/eu já sei que eu não sou”, em ‘fé azul-celeste’). EVAYA tem o potencial para se tornar numa referência futura no panorama nacional – tanto pela irreverência cuidada, como pela presença contagiante em palco. O concerto reforçou a minha expectativa de poder ver as suas “sementes” germinarem, brevemente!











Assim que a prestação de EVAYA terminou, uma linha de baixo robusta fez-se escutar de outro palco do festival, atraindo o público disperso pelo recinto. Recuperei apressadamente o fôlego e disparei em direção ao Palco Árvore. A plateia diante do cenário crescia a cada instante, observando-se uma iminente ansiedade. Irrompendo pela noite que se anunciava, a voz de Mafalda Matos rompeu em jeito trémulo por entre o riff de Miguel Azevedo (baixo) e a percussão ritmada de Matias Ferreira (bateria). A ambientação lúgubre e vagamente post-punk de ‘Fauno’ permitiu a Marquise estabelecer o primeiro contacto com uma performance que se revelou notável.
Mantendo-se fiéis ao recente álbum de estreia (‘Ela Caiu’, 2025), a banda portuense assumiu uma progressão diligente e perspicaz. No centro do público, as hostes intempestivas mantiveram-se em lume-brando. De facto, o pop-rock de ‘Nuvem’ ou ‘Ofélia’ é inquietantemente cinemático, em clara oposição ao desenfreio do EP ‘MARQUISE’ (2023). Tudo se conjuga num cenário noir, versado na nostalgia de um passado não-longínquo e na urgência de resgate do presente (“O passado precisa de ajuda/Porque é tão bom e não nos dizem?”, em ‘Passado’). Os Marquise, a partir da voz frágil de Mafalda (‘Não quero ser’), exercitam uma poesia rica que alude a Clã e Ornatos Violeta, mas que mantém como pano de fundo a cidade cinzenta onde todos despontaram – ‘Ela Caiu’ aborda-nos com uma atmosfera crepitante e densa, guiada por versos que capturam em Polaroid a estagnação cultural e emotiva do país. Construído e desvendado sob uma iluminação parca, o contraste resultante da guitarra de Miguel Pereira (com referências subliminares a UHF) e da sequência encorpada de acordes de Miguel Azevedo catapultava-nos para essa introspeção. A dinâmica anterior permitia às palavras da vocalista, subtis e mordazes, permear pela densidade musical. Dividida entre emoção e racionalidade, a artista desvendou-nos uma análise desalentada, insegura e até desesperada da sua geração (“Já nada nos resguarda/Imaginários construídos/Por ti destruídos”, em ‘Cidade’). De repente, a bateria irrompeu acompanhada de um riff de baixo bastante reconhecível. Alguns dos espectadores, em antecipação, manifestaram prontamente uma efusivivade e precipitaram-se num corrupio previsível pelo corredor central. Com a entrada de ‘Boneco’, os Marquise anunciavam um novo capítulo do concerto.
“Devemos valorizar este tipo de eventos, especialmente realizados numa faculdade”, desabafou Mafalda, a meio do concerto, “Queremos uma Escola aberta, não uma Escola fechada!”. As palavras da vocalista ecoam-me na cabeça, ainda hoje. O ambiente que se observa na Música independente nacional é de mudança, de tomada de atitude e, sobretudo, de companheirismo. Como projeto formado no seio da FAUP e abraçado pela editora Saliva Diva, a banda personifica a alteração de paradigma e o espírito premente ao próprio FAUP Fest, tornando-se numa referência para muitos jovens. Tanto na avidez rock, como na singeleza lírica, a mensagem é clara, precisa e bastante atual (“A vida não é como era dantes/Há 30 léguas de mar”, em ‘Delírios’). A mancha humana, cada vez maior, partilhava dos mesmos valores que os artistas espelhavam nas suas produções. Nem mesmo um apagão total em palco, devido a problemas técnicos, impediu a desenvoltura de ‘Meninas Bonitas’ (conjugado com ‘.’, dos MAQUINA.) de formar um alvoroçado moshpit. “Mosh é do amor, é um abraço gigante”, acautelou assustada a vocalista, entrevendo na plateia os mínimos níveis olímpicos de um amplificado confronto corporal. Porém, é neste ritmo mais acelerado que a banda encontra a sua zona de conforto. Enquanto que Matias, Miguel Azevedo e Miguel Pereira se apresentam com uma interessante maturidade técnica (menção honrosa para Azevedo, que dispara continuamente no baixo riffs com destreza impressionante, para um músico da sua idade), Mafalda transfigura, com enorme segurança, a sua fragilidade em vigor vocal nos refrões de ‘Acordei Mal’ ou ‘Espanco de Espírito’. A anterior beleza cinemática permanece, com claro destaque para ‘Algodão’, um guilty pleasure pessoal. Ainda assim, no instante em que apartam o semblante formal da sonoridade, revelam-nos a promissora banda rock do Porto que esta geração antecipava e aguardava, impacientemente. “A cidade não para”, canta a vocalista em ‘Cidade’, perante a maior apoteose da noite. De facto, o que se precisa é que não pare!




















Antecipava a transição do concerto de Marquise para o de TRASGO como uma terapia de choque. Quando cheguei ao Palco Carlos Ramos, já o quinteto portuense atingira os espectadores com uma sonoridade brusca, maquinando-se numa panóplia de encadeamentos instrumentais. Em palco, o projeto apresentava-se numa postura improvável e suigeneris. Trajados a rigor ou de rostos pintados, os músicos discorreram um experimentalismo cru e primordial que se nos cravava na pele com um desconforto dilacerante.
Em junho de 2024, aquando da última edição do festival Basqueiral (Santa Maria de Lamas), fiquei surpreendido com a imprevisibilidade desregrada de TRASGO. Um ano volvido, noto poucas alterações na sua abordagem, assim como uma ausência praticamente total nas plataformas de streaming. Contudo, não é motivo de reclamação, na verdade! O noise rock do quinteto assomou-se exasperante no negrume do palco (nota: convém referir que os focos de luz homemade, embora excelentes “no papel”, não resultam no quesito da iluminação). João Abade imprimia sobre a bateria uma vigorosa pujança, dardejando-nos com expressões ardilosas e endiabradas. As guitarras percorriam livres pelo espaço e com uma indiferença alheia face à perspetiva dos espectadores. Por sua vez, acompanhando o baixo lancinante de Fermento, o saxofone amarrava o desvaire musical com uma alucinante prestação. Tanto o baixista como o saxofonista – um trajado de mimo dramático, o outro de rosto coberto –, movimentavam-se desenfreados pelo palco, contrastando com a sisudez demoníaca do vocalista. Temas como ‘Centopeia’ ou ‘Senhor Guarda’ aproximava-nos do clímax ofegante a que o projeto se autopropôs, em descontrolo “controlado”. O quinteto transpirava uma anarquia musical indubitavelmente críptica, traduzindo-se numa linguagem de berros adotada por Diogo Gomes (voz/guitarra). Numa quase-escuridão, o cenário preenchia-se de olhares arregalados, a transbordar de espantado entusiasmo. “’Tá a correr bem? Ainda não vamos a meio!”, assegurou João, em tom trocista. Mantendo-me a par dos horários, aproveitei a ocasião para me deslocar para o outro extremo do recinto. Para trás, deixei aquela plateia entregue ao caos crepitante dos TRASGO.




















Uma série de batidas tornava-se gradativamente percetível à medida que me afastava da intensidade anárquica do Palco Carlos Ramos. Chegado à escadaria do Palco Toca, uma pista de dança lotada ocupara o pátio acolhedor onde, durante a tarde, assistira a EVAYA e Violeta Azevedo. Rostos precariamente iluminados moviam-se numa coreografia descontraída. Por momentos, senti que entrava lentamente numa cave recôndita e húmida de um prédio suburbano, surpreendendo-me com uma festa improvável. Um odor caraterístico, carregado de suor e outras fragrâncias, transportava-me para essa visão de uma sala underground. A sequência de samples que se desprendiam das colunas ativou-me a nostalgia por uma memória que não vivi, mas pela qual nutro enorme empatia.
Através de Girls 96, Paloma Moniz (voz) e Ricardo Gonçalves (eletrónica/voz) refletem-nos um devaneio GenZ pela realidade esbaforida e descontrolada da viragem de século, recuperada por projetos como Fcukers ou The Dare. As letras esbatidas, encadeadas pela eletrónica in-your-face de Ricardo, aludem-nos a breves filmagens lo-fi de anónimas personagens noturnas. A voz e postura displicentes de Paloma encarnam o exagero emocional de múltiplas figuras, que a própria vocalista imagina estampadas no ambiente néon das discotecas. ‘1996’ (2024), EP de estreia da dupla, assume-se como uma perspetiva exuberante do caos da vida noturna em metrópoles como Londres (cidade onde residem), que cresce à boleia da rebeldia de álbuns-escape como ‘BRAT’ (2024), de Charli XCX. Tirando proveito desta ansiedade geracional, os dois artistas instalaram sem qualquer formalismo a sua eletrónica dançável, evocando descaradamente o revivalismo do electroclash dos 00’s. A vocalista, fitando-nos por detrás de um cabelo desalinhado, representava o expoente de uma frontwoman de presença blasé. A conjugação musical de Ricardo, ao leme da energia corporal que ondulava na plateia, gradualmente conduziu a uma exultação desgovernada e cliché – o júbilo dos espectadores desmascarava-se subtilmente num sorriso ritmado. A simplicidade da abordagem da dupla explica-se pela eficácia sensorial das suas batidas, dotadas de refrões acompanhados em coro: “‘Tás-te a passar”, cantam em uníssono os espectadores, à medida que o instrumental infecioso de ‘Ainda Importa’ chama pelos festivaleiros espalhados pelas redondezas do palco. Tema após tema, cada vulto contagiava o seu vizinho, numa movimentação coordenada pela voz abafada, distante e camuflada (‘Circos’, ‘Ficas no Chão’), ou num leve sacudir de cabeça perante ocasional candura (‘Estrela Superstar’). Sem contarmos, Girls 96 brindaram-nos com um espírito party, felizes naquela bolha onde, momentaneamente, ignoramos a rotina do dia seguinte e dançamos como sempre pretendemos. Que excelente surpresa!




























Ao acercarmo-nos do fim do prime-time do festival, a agitação insaciável dos suspeitos do costume expandia-se aos poucos para as áreas circundantes. Todos aguardavam o começo do último concerto da noite! Revestidos pela escuridão proporcionada pela parca iluminação – convenhamos, este é mesmo um aspeto a rever em edições futuras! –, Conferência Inferno entraram em cena em pleno vagar. José Miguel Silva (teclado) e Raul Mendiratta (sintetizador), logo que confortáveis nas suas posições, apartaram cautelosamente os focos luminosos, mantendo-se ensombrados durante todo o espetáculo. Manejando diligentemente o microfone, Francisco Lima (voz/guitarra) disparou, sem pressa e em tiro certeiro, um mantra incómodo para um futuro certamente sinistro: “E nada é como era (d)antes”.
Desde cedo que o trio portuense se alicerçou habilmente numa sonoridade desalentada (“O amanhã não é promessa”, em ‘Amanhã). O ambiente post punk/new wave transmuta-se a partir de narrativas que nos parecem, inicialmente, recônditas no nosso subconsciente. Ao vivo, o instrumental contido – e polido em estúdio – incute-nos numa coreografia ilogicamente contagiante. Os “três vampiros góticos” adornam-se por uma nuance soturna e minimalista, usufruindo das cadências e batidas eletrónicas irrepreensíveis, e facilmente reconhecíveis (‘Cowboy Bêbado’). Os versos de Francisco, alinhados numa narração seca e peculiar – oscilando entre Joy Division e GNR –, revolvem a plateia na efusividade habitual. Para muitos, os refrões de temas como ‘Radiação’ ou ‘Auto-Pânico’ são, de facto, velhos conhecidos. Pela voz melodicamente deslocada do vocalista, chega-nos uma introspeção densa sobre inércia, depressão, medo ou opressão – estes últimos, versados nos novos temas, apresentados essa noite (excelente timing, diria). Com ‘Ata Saturna’ (2021) e ‘Pós-Esmeralda’ (2023), os Conferência Inferno agarraram em várias temáticas sensíveis e dedicaram-lhes a atenção devida, perante uma sociedade sem tempo para as escutar. Assim, o compromisso com uma perspetiva disfórica do quotidiano e as suas debilidades permitiu-lhes tecer uma compilação lírica sobre um mundo agorafóbico (“Está quase na hora/A madrugada tirou-me a paz/Esta cidade só chora/Assisto a tudo cá atrás”, em ‘Ausente’), resguardada por um instrumental de cariz nostálgico. A sequência carismática do sintetizador em ‘Sina’, a abertura apaziguadora de ‘Alma’ – breve piscar de olhos à abertura de Twin Peaks, de Angelo Badalamenti? –, ou a estranheza musical de ‘Fantasias’ são apenas alguns exemplos de uma catarse neurótica e estimulante que os Conferência Inferno conseguiram dominar.
Perante o desvario crescente que se registava no cenário, não deixei de soltar uma gargalhada silenciosa. Por duas vezes, temi pela minha segurança quando entrevi três rapazes empoleirados nos galhos de uma árvore acima de mim, num estado de espírito que me transcendia a compreensão. A atuação dos seguranças foi imediata, se bem que à distância. Já o mesmo não poderá ser dito de um outro espectador que se aventurou em palco – prontamente encaminhado para a saída. “Malta, este era o Vasco, um grande amigo nosso. Ele gravou-nos um videoclipe. Palmas para o Vasco!”, assegurou José Miguel, provando os seus dotes eficazes de interlocutor com o público (momentos repetidos com frequência ao longo do concerto). Alheios a essas transições, o público perpetuou a sua coreografia, seduzindo-se pela simbiose perfeita entre a sonoridade e a noite que se abatera sobre o recinto. Anunciando o final do concerto, os suspiros roucos de Francisco apresentaram-nos a chegada de ‘Apocalipse’, e, com este, os míticos versos do “cover de um cover dos Baleia Baleia Baleia” (“O teu Deus é ateu, e o meu já morreu/Excesso e apocalipse, foi o que ele me disse”). Conferência Inferno provaram, uma vez mais, merecer lugar de destaque no longo e vasto catálogo de “clássicos de culto” da Música nacional.
“Nós, músicos independentes, dependemos de vocês”. Enquanto me dirigia para a saída, essas exatas palavras de Scúru Fitchádu ressoavam-me na cabeça. Ainda que, nessa noite, não tenha podido assistir na íntegra ao concerto do artista cabo-verdiano (fotogaleria acima), tive a oportunidade de escutar esse breve desabafo. “É importante entreajudarmo-nos, manter ao máximo esta comunidade independente”. Iniciativas como o FAUP Fest valorizam um esforço coletivo, difundem ideais saudáveis e permitem uma conexão ímpar entre uma geração motivada de jovens artistas. Recordando o que dissera Mafalda Matos, “Queremos uma Escola aberta”. Para tal funcionar, a presença assídua dos espectadores é crucial para a manutenção desta comunidade. Pois não nos foquemos no Passado: é o Futuro que precisa de ajuda!

















