Dois Dedos De Conversa | Daisy Capital Hotel
© Joana Tomás
A 4 de Maio, os lisboetas Evacigana subiram ao famoso quarto andar na rua Passos Manuel, no Porto. Partilhando o palco do Maus Hábitos com os penafidelenses MUAY, apresentaram o seu álbum de estreia, “fiasco” (2023) - um álbum rock com uma esgrima pop, e adornado por uma voz virtuosa. Foi no contexto da sua digressão nacional que Alfredo Fernandes conversou com Rúben Lopes, João Moreira, Filipe Nunes e Alexandre Bandola a propósito do lançamento do álbum e da sua recente experiência em palcos.
Nota de redator: Recentemente, a banda alterou o seu nome (Evacigana) para Daisy Capital Hotel. Referida alteração encontra-se já presente no título e capa da publicação, mas não no decorrer da entrevista.
Alfredo Fernandes: Como é que os quatro se conheceram?
Rúben Lopes: Foi no Tinder. No Tinder para bandas! (risos) De forma resumida, conheci o João e o Filipe no 10º ano. No 1º ano de faculdade, em 2016, conheci o Alexandre – com quem comecei a banda. No ano seguinte, o Filipe também quis entrar. Em 2018, fomos convidados pelo Nuno Monteiro para participar no Festival Impulso. Nessa altura, convencemos o João a tocar connosco, e depois de muitas vezes a dizer ‘não’, lá aceitou. “Faço só um concerto!”, disse ele. No final, virou-se para nós e perguntou, “Quando é o próximo ensaio?”.
Alexandre Bandola: E o concerto foi todo improvisado! Pelo menos, a parte dele...
R.L.: Foi na altura da demo [Evacigana (2019)].
A.F.: A propósito, de onde surge o nome Evacigana?
R.L.: No fundo, precisávamos de um nome. Tínhamos ido caminhar juntos de manhã. Acho que o João ainda não estava connosco... Quando fomos almoçar, fizemos uma sessão de brainstorming. Uma ou duas horas depois, estávamos completamente desesperados. Não arranjávamos nome nenhum! De repente, o Filipe lembra-se de algo como “Have a cigar” – também ele estava desesperado. Decidimos substituir o verbo (“have a”) por um nome feminino, Eva. “Mas tem cigar...”, dissemos. Do nada, o Filipe solta o nome: “Evacigana”.
A.B.: Saltou-nos à vista. Isto é, saltou-nos aos ouvidos. (risos)
A.F.: Remetendo para o EP “Fortuna” e para o disco “fiasco”, é notória uma mudança na vossa abordagem à sonoridade. O que levou a essa progressão?
R.L.: É fixe teres reparado porque é algo que quisemos fazer de modo propositado. Quando estávamos a terminar o “Fortuna”, fomos abalroados pela pandemia. Acabamos de gravar o EP em Fevereiro de 2020 e, um mês depois de ser remisturado, fechou tudo. Não pudemos tocá-lo ao vivo – foi tudo à vida... Também já havia uma intenção da nossa parte de fazer algo mais pop, mais direto a nível de estrutura. Por isso, quando começamos a compor o disco, revelou-se um misto entre essa abordagem direta e a necessidade que tínhamos de tocar, por estarmos tanto tempo fechados. Queríamos muito voltar a tocar e a gravar. Estávamos com ‘muita fome’ e muita pressa de terminar as coisas, digamos assim!
A.B.: Tínhamos vontade de fazer coisas com mais energia. Algo que funcionasse melhor ao vivo, se calhar...
João Moreira: Acho que também foi um processo natural, enquanto banda. Sentimos que o álbum é um amadurecimento dos quatro enquanto conjunto. Mesmo no próprio ensaio, tudo foi ficando mais orgânico. É um álbum mais direto nesse aspeto. No fundo, penso que o “fiasco” é um upgrade do EP em termos de composição e de arranjo.
A.F.: Retornando à questão de nomes, qual o motivo por detrás da escolha dos títulos do vosso disco (“fiasco”) e EP (“Fortuna”)?
J.M.: Não sei se há um grande motivo. Discutimos sobre muita coisa. Às vezes, sobre nomes. Já relativamente a “Fortuna” e “fiasco”, foram nomes que o Rúben lançou e ninguém respingou. Foi bastante natural.
A.B.: Olhando para trás, talvez sejam os que fizeram mais sentido na altura. Agora, vendo os vários passos que demos para conseguir gravar este disco, faz muito sentido que se chame “fiasco”! É uma história muito longa...!
R.L.: Dizemos que está amaldiçoado!
A.F.: Amaldiçoado? Querem falar um pouco sobre isso?
A.B.: Começa-se logo pelo início da pandemia. O disco começou a ser composto pela Internet, através de partilha de áudios. Entretanto, conseguimos reunir-nos novamente. Aceitaram-nos no CLAV (Centro Laboratório Artístico de Vermil), onde pudemos fazer uma residência artística e terminar os arranjos do disco. Depois, tivemos de passar para a parte de gravação. Gravou-se o som da bateria com o Nuno Oliveira, nas Caldas da Rainha. Mas tudo o resto acabou por ter uma certa liberdade. Teve que ser...
R.L.: ...free-style!
A.B.: Exato! Lembro-me de haver dias em que ligava ao João, às dez da noite, e dizer, “É tarde, mas houve alguma disponibilidade do estúdio...”. Ele já dormia, mas lá aceitava. “Vou só tomar banho e vou para aí”. Ficávamos a gravar até às cinco da manhã... Portanto, isto não foi só uma vez. Aconteceu de forma muita repetida, até a gravação das guitarras estarem terminadas, e as vozes também...
R.L.: As guitarras foram gravadas num dia. Eu e o Filipe gravámos tudo num dia porque não queríamos acordar, tomar banho e ficar no estúdio até às cinco da manhã...!
J.M.: Foram as vozes. As guitarras foram gravadas de forma muito rápida.
R.L.: Não foi uma trajetória linear. Andamos a fazer algum malabarismo!
A.B.: Houve certos pormenores que demoraram mais... passando para a mistura do disco, a primeira pessoa com quem contactamos e fizemos o processo não correspondeu às expectativas. Entramos em contacto com uma segunda pessoa que, infelizmente, não nos conseguiu ajudar. Bem que tentamos ser muito profissionais, a colocar deadlines em tudo. Estava a ser difícil!
R.L.: “Não há disco”, pensamos. Entretanto, já tínhamos marcado promoção com a Raquel Lains, estabelecendo um deadline. Quando lhe dissemos que ainda não tínhamos mistura, respondeu-nos algo do género, “Estão a brincar comigo, não estão?”.
Filipe Nunes: Desesperados, decidimos ir às páginas do Bandcamp de artistas que gostávamos, procurar quem lhes teria misturado os discos. Tentamos contactar essas pessoas e encontrámos o Guilherme Rodrigues!
R.L.: Houve um a quem enviamos e-mail nessa altura e que nos respondeu cinco meses depois. O disco já estava misturado e entregue à Raquel. “Peço imensa desculpa, mas precisam de alguma coisa?”, perguntou-nos. Bem, cinco meses antes precisávamos...!
F.N.: Mas ainda não acabou! Quando mandamos imprimir os folhetos que veem com os CDs, estes vieram com as páginas todas trocadas. No dia do concerto de apresentação, por volta das sete da tarde, estávamos numa gráfica a imprimir tudo outra vez. E isto porque os discos só vieram nesse dia...
R.L.: Acho que depois de tudo isto, houve um momento em que olhamos uns para e outros e pensamos, “Que se lixe!”. Por pouco achámos que o disco ia ficar na gaveta.
J.M.: Se calhar, foi por termos escolhido o nome “fiasco” que tudo aconteceu!
A.F.: Um aspeto pertinente da vossa sonoridade são as influências (notórias) do rock do final dos anos 90s e início dos 00s. Até que ponto será um reflexo da sonoridade que vos acompanhou a adolescência?
R.L.: Acho que isso será, talvez, comum a todos. Chegando à adolescência, começamos a sair da nossa zona de conforto. A pesquisar, a aprofundar aquilo que se ouve. A meio dos 20s, muitas das influências começam a voltar. Por exemplo, vínhamos no carro a ouvir os primeiros discos de Justin Timberlake e Britney Spears. São coisas que ouvíamos quando éramos miúdos. Eram muito orelhudos! No entanto, chegas ali a uma fase da tua adolescência em que já não queres ouvir aquilo, porque achas que ‘não é fixe’. Queres explorar algo mais alternativo, mais fora da caixa. De repente, amadureces e regressas a essas primeiras coisas que te faziam feliz quando eras mais novo. Também há outro aspeto, que é muito natural, e que acontece durante o processo de composição. Tudo o que nos lembramos, todas as nossas referências, são lá colocadas. Os ingredientes vêm daí, dessas influências.
A.F.: Como é que se sentiram a transportar essa rebeldia de adolescente para o disco?
R.L.: Foi muito natural. Em parte, andávamos bastante frustrados pela situação da banda. Aliás, a realidade da Música em Portugal é complicada. Não tínhamos ainda tocado muito, e depois surgiu a pandemia. Portanto, não será somente essa rebeldia de adolescência, mas também muita frustração que queríamos libertar.
J.M.: Para ser sincero, nunca refleti muito acerca dessa rebeldia. Não sinto que tenha sido algo tão nostálgico, ou pensado. No fundo, será sim um reflexo de tudo por que passámos naqueles anos. Aliás, continuo a ‘bater naquela tecla’ que, enquanto banda, a sonoridade é um reflexo coletivo. O disco transpõe essa questão, organicamente. Cada um de nós foi percebendo o seu papel na banda.
R.L.: Já não trazes ‘material’ só porque tu gostas, mas com aquela curiosidade de perceber como os outros vão reagir a isso. Funciona como um organismo, e não individualmente. É um casamento!
J.M.: Algo curioso é a forma como vemos as canções. Na nossa cabeça, o que estamos a fazer é pop. Trabalhamos sobre uma estrutura pop, mas com uma estética rock. Se me perguntarem a que é que soa o álbum, a minha resposta será sempre essa: pop.
A.F.: Será que, individualmente, conseguiriam mencionar um artista de referência?
J.M.: É assim... Se a Björk estivesse lá dentro, passava-me!
R.L.: Para mim, se estivesse lá dentro o Chino, dos Deftones...
F.N.: Há um músico que mudou muito a minha forma de tocar. Michael League, dos Snarky Puppy. Não propriamente pela música que toca, mas pela forma de a testar.
A.B.: Bem, eu tenho muitos...
R.L.: Oh!, eu também!
A.B.: Então, John Theodore.
R.L.: Agora talvez não nos lembremos de muitos. Mas éramos capazes de ficar aqui a tarde inteira. Acho que, no fundo, se aparecesse qualquer músico de que gostamos, ficaríamos boquiabertos. É uma questão de respeito.
A.F.: Qual é a sensação, depois de todo o período de “maldição”, de estar em digressão pelo país a apresentar o “fiasco”?
R.L.: Estou de rastos! (risos)
A.B.: Foram três dias seguidos, e ainda longe uns dos outros: Caldas da Rainha, Pinhal Novo e Viana do Castelo.
R.L.: Foi logo no início. Aprendemos a lição!
F.N.: Resumindo, 1000 quilómetros em três dias.
R.L.: No fundo, tem sido uma experiência de aprendizagem e amadurecimento. E é uma sensação incrível, vir a uma sala como esta [Maus Hábitos].
A.F.: Como é que tem sido a reação das pessoas?
F.N.: No último concerto [Desgraça] tínhamos malta a cantar, por isso...! E as redes sociais têm ajudado. Também temos trabalhado nesse aspeto.
R.L.: Tem sido muito progressivo. Aos poucos as pessoas têm ganho interesse. Nós também vamos ficando mais à vontade, puxando pelo público, criando uma sinergia. Aos poucos, a engrenagem começa a funcionar.
A.F.: Que tal é que foi “partilhar” palco com os Pile?
Todos: Foi muito fixe!!
F.N.: Mas não devia ter sido o primeiro da tour. Devia ter sido agora...
R.L.: Eles tinham vindo de Madrid, “rodadíssimos”! É uma experiência que nos desinibe. Realmente, esta é uma banda a sério. Não é que nós também não sejamos, mas é a presença deles... São muito queridos!
A.F.: Mesmo como músicos, ainda têm aquela sensação de “fã”, na presença de outras bandas?
J.M.: Isso é para toda a vida!
R.L.: Fui ver há pouco tempo uma banda de punk-rock bastante conhecida, os The Flatliners. Assim que o vocalista entrou em palco, fiquei pasmado. “Hey, é o Cresswell!”. Isso vai sempre acontecer!
A.B.: É geral: quer sejam artistas estrangeiros ou portugueses. Por exemplo, o Rúben e o João foram aos estúdios da RTP, juntamente com a Manuela Azevedo e o Hélder Gonçalves, dos Clã.
R.L.: Ao virar o corredor, assim que os vimos e nos cumprimentaram, entramos em choque. “Eu via-te quando era miúdo, nos videoclips!”, pensei naquele momento. Quando fomos para a entrevista, sentamo-nos num canto da mesa e eles no outro. Ficamos a entrevista inteira sem palavras. Foram sempre queridos.
J.M.: É uma sensação que vai sempre a existir. A única vez que pedi um autógrafo foi ao guitarrista dos O’queStrada, João Lima. Estava a tomar café em Alfama, e ele passou por trás de mim. Virei-me entusiasmado para uma amiga, e ela encorajou-me a ir ter com ele. Todo nervoso, acabei por lhe dizer: “Gosto imenso da tua forma de tocar, acho que estás mesmo a quebrar barreiras”. De uma forma muito querida, ele assinou-me o caderno. Acho que é realmente essa a sensação, tanto para eles, como para nós, que os estamos a abordar.
A.F.: Antes de terminar esta agradável conversa, aproveitava para colocar uma questão mais pessoal. Conseguiriam descrever qual o episódio que vos despertou a relação com a Música?
F.N.: Eu comecei a tocar porque o Rúben também tocava. (risos) Comecei a ouvir música e a tocar no Secundário, com ele. Não ouvia nada...
A.B.: Espera... Rúben, tu criaste e formaste esta pessoa?!
R.L.: Sim! Ele queria ir para Belas Artes ou para Arquitetura, enfiar-se num escritório o dia todo... nada disso! (risos) Eu tenho uma memória vaga de, em miúdo, o meu pai me ir buscar no carro do meu tio. O meu tio comprava muitos CDs. Ele nasceu nos 70s, por isso apanhou a fase do “Black Album”, dos Metallica, mas também a “azeitada” do metal sinfónico. Lembro-me de, a certa altura, estarmos parados num parque de estacionamento de um centro comercial, e, de repente, tocar Rammstein ou Nightwish. Houve um momento com guitarras em distorção que me despertou da sonolência. “Que som é este?!”. Desde então que digo que um power chord em distorção é das minhas coisas favoritas. Rammstein, que é uma banda relativamente “azeitola”, mas que gosto bastante, fez-me refletir sobre esse detalhe. A partir daí, comecei a descobrir toda a cena do punk, hardcore, etc.
A.B.: Sempre me senti ligado à cultura do skate, pois existe uma grande relação desta com a Música. E há uns anos, tive uma fase emo. Um dia convidaram-me para ir assistir a um concerto de metal numa outra escola. Metal muito mau, mas apareceu muita gente e até houve mosh pits! Aliás, uma amiga minha partiu o nariz... foi uma grande complicação, mas, no fim, fiquei mesmo fascinado com todo aquele cenário. E pensei: “Se calhar, é isto...!”.
J.M.: Para mim, essa relação despertou quando não queria fazer os TPCs. O meu pai tinha uma guitarra em casa, à qual não ligava nenhuma, mas gostava que eu fosse músico. Disse-lhe sempre que não. No entanto, sabia que, quando ele chegasse a casa do trabalho, não iria ficar chateado por não estar a estudar se estivesse a tocar guitarra. Mal o ouvia no elevador, ia buscar a guitarra e lá começava a praticar. Até que, um dia, surgiu um “click” qualquer. Desde os quinze em diante, nunca mais larguei o instrumento... (risos)