Dois Dedos De Conversa… | QUADRA

© Tiago da Cunha

A 29 de junho, Alfredo Fernandes conversou com Hugo Couto (baterista dos bracarenses QUADRA) a propósito do terceiro disco da banda, “Selva”. Na presente conversa, os dois terminaram por abordar temas bastante diversos, desde a “quase-apresentação” da mais recente produção no Primavera Sound Porto, o panorama musical de Braga e a evolução da sonoridade do projeto ao longo da carreira, desde “Cacau” (2018) a “Selva” (lançado a 29 de maio).


Alfredo Fernandes: Permite-me começar a conversa da seguinte forma: acabaram de lançar o vosso terceiro disco (“Selva”) no passado dia 29 de maio, e tiveram a oportunidade de o apresentar num festival de música da dimensão do Primavera Sound Porto. Como é que foi essa experiência?

Hugo Couto: Realmente, colocado dessa maneira... Na verdade, não pensamos muito nessa situação. Quando soubemos do concerto no Primavera Sound ainda não tínhamos o “Selva” planeado para ser lançado. Mal tivemos a confirmação do concerto, colocamos um plano em marcha com outra intensidade, de forma a que as datas fizessem sentido. Este convite veio no seguimento de um outro concerto que demos em maio de 2022, no aniversário da Bazuuca, do João Pereira – onde estava também o João Carvalho. Ele gostou muito do concerto e falou connosco acerca da possibilidade de integrar algum festival. Ao início até pensávamos que seria o festival Vodafone Paredes de Coura... No fim, revelou-se esta oportunidade. Em 2018, tínhamos ido já ao [Vodafone] Paredes de Coura, ao Jazz na Relva. Essa circunstância vem de outra interação com o João Carvalho, que acabou por ouvir no meu telemóvel o EP dos QUADRA, em 2017. Ele não ouviu: eu meti-lhe o telemóvel à frente! (risos) Aliás, ele está constantemente a contar a história porque, curiosamente, isto passou-se numa casa-de-banho... Mostrei-lhe um set live que tínhamos feito na sala de ensaio. “Isso é porreiro para o Jazz na Relva”, disse ele. Foi na altura em que tínhamos ainda uma sonoridade que se enquadraria nesse contexto, com influências progressivas ou algum jazz fundido com post-rock/math rock. Com o tempo, e com a pandemia do Covid-19 pelo meio, crescemos, deixamos estas “coisas da juventude” e evoluímos a nossa sonoridade. Já não somos propriamente jovens, temos uma noção musical que não se prende à necessidade de nos ajustarmos a um género. Desde esse momento, com essa sonoridade mais instrumental, ocorreu uma transição, chegando o instante em que nos apresentamos no Primavera Sound com um disco-house, indie pop alternativo, rock eletrónico, etc. Relativamente ao concerto em si, confesso que já não tocávamos num palco destas dimensões há... Aliás, nunca chegamos a tocar num palco das dimensões do “ex-palco” principal do Primavera Sound!

A.F.: Exato! Ainda por cima houve essa troca de palcos... E um palco secundário ter aquela dimensão deve ser uma sensação muito estranha.

H.C.: É estranho porque, em termos de impacto emocional de um concerto no seu expoente máximo, isso ocorre sempre nos anfiteatros naturais. Mesmo acusticamente, o som é melhor! E esteticamente acaba por ficar no registo emocional das pessoas. Por seu lado, nos palcos “superficializados” parece que não assistimos a um concerto, mas a um “cine-teatro”, ou um “produto”. O facto de se realizar num espaço como o Parque da Cidade do Porto faz-nos sentir que não estamos no centro de uma cidade. Há uma maior proximidade com o público, também... Por outro lado, o Palco Vodafone acarreta uma exigência diferente. Uma coisa é tocar diante de um público muito próximo – estás abraçado àquelas pessoas –, algo que não acontece nestes palcos. Obrigam-te a viver numa realidade mais solitária, relativamente à dinâmica de ouvinte-executante. É necessário ter a capacidade de dois tipos de “chips”. Há muitas bandas que são excelentes em concertos pequenos, e que chegam a este contexto macro e se perdem, não “ocupam”.

A.F.: Talvez a ansiedade de tocar nesses grandes palcos os impeça de dar esse “salto”... pelo menos, nos primeiros concertos.

H.C.: A ansiedade está sempre presente. Os grandes artistas têm muita ansiedade antes dos concertos. Se não a demonstram, o assunto é outro: é já uma capacidade artística acima da média! No fundo, a ansiedade é o teu corpo a avisar-te, a preparar-te para esse momento especial. Relativamente ao nosso concerto, foi um momento bastante porreiro. Tivemos realmente azar com a meteorologia. Choveu imenso...! Começamos o concerto para 20 pessoas, talvez nem tanto – com o passar do tempo, as condições melhoraram (entrou o sol!) e para o final tínhamos uma “casa montada”. Se tivesse sido no início do concerto, as coisas tinham sido diferentes. Mas isto é mesmo assim!

A.F.: Aproveitava o momento para colocar a seguinte questão: como é que os QUADRA surgiram?

H.C.: Eu conheço o Sílvio (guitarra) já há alguns anos, através de um bar da altura – o Contra Onda –, dedicado aos surfistas. Sempre estivemos nesse meio do surf. Quer dizer: mais ele do que eu! Sempre fui um “experimentalista” de ondas que dava sempre mau resultado...! Tampouco tinha a paciência para acordar às seis da manhã ao fim-de-semana para ir para a praia. Entretanto também começamos um outro projeto com o guitarrista dos Bed Legs, o Tiago Calçada – que, juntamente com mais membros da banda e outro pessoal da Música, acabavam por frequentar o bar. Esse espaço era um nicho na cidade, que terminava por misturar malta da Música e do surf/bodyboard. O projeto, em si, não levou a nada, mas ajudou a que várias pessoas se juntassem e começassem outras coisas que, ao se desenvolverem, deu origem mais tarde a outras bandas. Assim foi com os QUADRA. O Sérgio Alves (baixo) entrou depois. Mas acho que em 2015 terminamos por dar um concerto no Contra Onda em que, para além de atuarmos com outro baixista e teclista, já tínhamos o nome QUADRA. Inicialmente, e um pouco à semelhança do que se fazia na época, fomos tocando em espaços a partir de contactos pela Internet, através de blogues ou grupos no Facebook. Já com a entrada do Sérgio, começamos a planear o EP. Entretanto as coisas não correram bem com o antigo teclista e, após a sua saída, entraram mais dois guitarristas. Após uma viagem à Galiza, sentámo-nos calmamente e pensamos: “A banda vai ter que se remodelar”. Modificamos a nossa forma de olhar para a Música e foi quando entrou o Gonçalo (guitarra) e o Lucas Palmeira (sintetizadores), que para além de teclista é também o nosso produtor, gravador, misturador e masterizador. Foi um elemento crucial, uma vez que nos arranjou as condições para gravar o primeiro disco, “Cacau” (2018). Esta foi a primeira fase da banda.

A.F.: A propósito do álbum “Cacau”, e tendo em conta o vosso segundo disco (“Chili” (2019)), qual foi a inspiração para esses nomes com um “conceito gastronómico”?

H.C.: Olha, o “Cacau” veio de uma “inside joke” – e o nome era “cool” (risos). Tinha capacidade para apelar visualmente. A própria capa tem um cacau! Por outro lado, tudo acaba por fazer sentido. A música instrumental tem que apelar a alguma coisa, nomeadamente às sensações. Ao pensar em “cacau”, há uma certa sensação imediata, o que, na ausência de voz, acaba por complementar a vertente instrumental. É um fruto exótico, que dá origem ao chocolate. Há um certo tropicalismo. Já o “Chili” vem no seguimento desse conceito. “Já que estamos nesta [de nomes de alimentos], vamos manter o conceito, mas vamos passar para outra onda – o chili!”. Acaba por apresentar uma identidade nova, com dinâmicas mais... Não queria cair na redundância, mas digamos que são dinâmicas mais “picantes”, assertivas. Escutando agora o “Cacau”, noto-o muito mais progressivo, mas sem uma identidade muito bem definida. O segundo termina por ser mais voltado para o formato “canção”, algo que queríamos fazer naquele instante. Tínhamo-nos cansado do ambiente anterior, sentíamo-nos fechados num determinado género. Queríamos também explorar ritmos mais eletrónicos, por influência do Lucas Palmeira, que convergiram muito bem e resultaram no “Selva” (2023). Digamos que o “Chili” é uma fase de transição. Vínhamos de uma sonoridade progressiva e muito diferenciada, passando pelo o formato “canção”, e terminamos neste registo mais eletrónico e dançável. Sinto que ficou muita gente surpreendida. Não sei se conheces o panorama de Braga, mas a cidade não tem praticamente pop...

A.F.: Pois! Isso era algo que queria perguntar: atendendo a todo o historial “rock” da cidade – desde bandas históricas, como Mão Morta, a projetos mais recentes, como Bed Legs –, o vosso projeto assume-se num espetro totalmente distinto. Sentem que poderão servir de inspiração para uma futura geração de bandas?

H.C.: Já começamos a ver isso. Por exemplo, o Sérgio com os StereoAcid. O Gonçalo Ferreira lançou recentemente uma música com um artista da Wav.in, com a orientação do Sérgio. Não será talvez uma relação de causa-efeito, mas nota-se uma certa coincidência temporal. E, de alguma forma, temos um certo orgulho pela nossa tomada de posição em termos lançado o “Chili” naquela altura. Acho que o projeto que teve uma identidade mais próxima do pop, ou até periférica ao pop-alternativo/indie-pop, foram os peixe:avião. E mesmo esse projeto não era propriamente pop. Como tal, sempre fomos encarados como um elemento estranho ao que se faz(ia) em Braga. Bem, a mim também me chateava esta ideia de que Braga tem que ser melancólica. Será talvez consequência – e isto sem querer colocar qualquer tipo de crítica – daquilo que foi feito pelos Mão Morta. Tanto positivamente, como negativamente. Porque os Mão Morta, pela sua capacidade musical e artística, que é extraordinária, colocou um marco e um estereótipo tão grande naquilo que Braga é, que criou um certo preconceito sobre aquilo que o panorama musical da cidade pode ser. O que é muito complicado para as bandas. Recuando aos peixe:avião, quando se falava na banda, falava-se imediatamente em Mão Morta. Bed Legs? Mão Morta.

A.F.: Relativamente a essa questão de estereótipos, há mais locais que se poderiam aqui referir. Por exemplo, Barcelos.

H.C.: Sim. E acho que a cidade está a sofrer com essa situação. A maior parte dos miúdos não quer tocar rock...

A.F.: Podem sempre apostar noutras sonoridades. Mas, claro, essa questão dos estereótipos fica na cabeça...

H.C.: Fica sim! E nós sentimo-nos bem em contrariar esse suposto “ideal”, em quebrar a melancolia de Braga. Vá, eu falo com as pessoas de cá e não são melancólicas! Porque temos que ficar com o rótulo de “cidade artisticamente melancólica”? Chove muito aqui em Braga? Sim, verdade. É cinzento? Há mais cinzento e chuva do que noutras zonas do país? Sim: e então? (risos) As pessoas depois saem à noite, vão aos bares, divertidas, e não vejo ninguém a chorar. As bandas podem ser o que elas são. E mesmo que representem muito positivamente uma cidade – e, novamente, é excecional que Mão Morta seja Braga, e vice-versa –, seria importante que as pessoas entendessem que não é algo definitivo.

A.F.: Regressando ao vosso último disco, “Selva”, vocês acabam por descrevê-lo como uma miragem comparativamente aos dois anteriores. O ponto perfeito depois do “Chili” e do “Cacau”. Como é que foi o processo criativo para a concretização desse resultado mais conciso?

H.C.: Na altura da pandemia, tínhamos já um disco preparado. Mas, entretanto, acabamos por descartá-lo. Em parte, porque não queríamos que o que viesse a seguir surgisse com o peso emocional do momento em que as músicas foram criadas. Voltamos totalmente atrás, e só no período de desconfinamento é que começamos a trabalhar mais a sério na composição do que viria a ser o “Selva”. Mas não foi algo negativo. Aliás, poder-se-á dizer que, após estes anos todos, a banda já se pode dar ao luxo de pensar de forma abstrata. Sabemos o que fazemos ao vivo, o que é preciso para que as coisas resultem nesse contexto. Quando um dos membros prepara algum material, acaba por não pensar propriamente no seu papel, mas no conjunto. Há esse “expertise” no processo de composição. Faço um beat na bateria, monto uma estrutura preliminar. Vão-se adicionando elementos, que acabam por alterar o resultado anterior num registo de back-forward. Uma máquina-de-lavar que se vai alterando, à medida que vão entrando peças novas.

A.F.: Acaba por ser curioso, após uma primeira audição, que esse resultado final apresenta uma sonoridade que tanto nos é familiar, como também inovadora. Como é que vocês descreveriam a vossa sonoridade a um ouvinte que descobrisse, neste instante, o vosso terceiro disco? E, paralelamente, quais as influências que apontarias para esse mesmo disco?

H.C.: Olha, curiosamente, há uns tempos atrás o “Selva” teve um “leak” no YouTube, de uma página que se dedica a lançar álbuns de bandas, a qual os considerava como “best underground albums”. No respetivo vídeo, decidi ler uns comentários sobre o nosso álbum. Houve uma pessoa que dizia que lhe soava a “um filho de L’Impératrice com Tame Impala, que foi raptado e criado pelos Daft Punk”. Sendo sincero, já não sei se consigo descrever o “Selva” de outra maneira! Até percebo que refiram Tame Impala. Em cada período que se tenha como referência, haverá sempre um conjunto de referências que representam uma família de sonoridades – ainda que não apresentem uma identidade muito próxima. O Tame Impala reúne, ou influencia, vários projetos do rock/pop-alternativo de meados dos 2010s. Respondendo à tua segunda questão, Tame Impala seria uma possível resposta. Mas, por outro lado, os Daft Punk são uma das nossas maiores influências – senão a maior influência da banda. Os Daft Punk têm, por exemplo, um álbum em que utilizam música gravada que acaba por simular música eletrónica. Chama-se “Random Access Memories”. No fundo, esse disco é a nossa maior referência até ao momento, e o “Selva” é talvez o nosso “Random Access Memories”. Tivemos aqui também a oportunidade de convidar vários colaboradores, nomeadamente vocais, para fazer um álbum totalmente conceptual. Isto é, não na perspetiva de haver uma linha bem definida entre as músicas, mas em que aqueles temas específicos tinham que fazer sentido, ainda que totalmente misturados. Mesmo escutando o álbum de trás para a frente, o que podia resultar numa salganhada e não é o caso!

A.F.: A propósito dessas colaborações – ou digamos, “participações especiais” –, como é que foi a dinâmica com esses elementos extra-banda?

H.C.: Nós partimos de um princípio em que não iríamos condicionar qualquer tipo de trabalho. Queríamos que 70% de trabalho concretizado fosse mantido, ao passo que os restantes 30%, mediante a adição da voz, acabariam por ser alterados na estrutura. Todas as músicas foram alteradas a nível de estrutura – falamos dos primórdios da composição! –, logo após a introdução da voz. Consciente ou inconscientemente, inserimos esses elementos na composição. Antecipamos essa influência. Portanto, não queríamos que a colocação da voz fosse simplesmente adicionada por cima do instrumental – seria até desrespeitar essa colaboração.

A.F.: Exato. Nesse aspeto, ao contrário de temas de cariz mais pop, em que a voz é mais destacada e isolada, as vossas músicas apresentam uma posição mais natural ou fluída com o restante instrumental.

H.C.: Vou-te contar uma coisa: quando as bandas ainda gravam num estúdio, esse processo pode permitir ou não que, mais tarde, após a inclusão de participações extra-banda, se possa recuar, a pensar nas coisas. Eu gravo e monto as coisas num estilo mais “caseiro”, e não em estúdio, fazendo uma maquete/demo. Leva-se o material para estúdio, onde se passam várias horas a gravar os instrumentos. Depois dessa gravação, não se pode fazer mais nada. O produto está praticamente fechado. Ter-se-ia que fazer o processo todo de novo, mas nunca vai soar igual. Ou gravas tudo de novo, ou não há hipótese... O que, entretanto, a tecnologia nos possibilitou foi a capacidade de aumentar as dúvidas. Porque, a qualquer momento, sentes necessidade de voltar atrás. Há sempre o dilema da insatisfação. Na altura do “Chili” e do “Cacau”, não havia essa possibilidade. E, se se ouvir o tema “Chili”, sente-se isso que dizias: nota-se que a voz surge mais destacada. Tema gravado e praticamente fechado, e só depois é que se incluiu a voz. Agora não, já temos a oportunidade de trabalhar como produtores de música eletrónica, a nível de topo. Não há momentos de imposição, mas de influência. Não procuramos apresentar trabalhos aos colaboradores com o rótulo de “fechado”. Por outro lado, se introduzirmos esses elementos numa fase intermédia, nunca mais se sai do sítio. Porque ou se é os Daft Punk, e se vai durante um ano para a Califórnia, num estúdio que remete a um panorama musical muito específico, ou a estratégia tem que passar por algo mais acessível. Sejamos sinceros: nós estamos em Braga, Portugal...!

A.F.: Como é que surgiu a oportunidade de colaborar com a Bazuuca?

H.C.: Para te ser franco, também não faço bem ideia. Acho que foi o Sílvio que falou com o João Pereira. Na altura, ele estava na RUM (Rádio Universitária do Minho). Sabíamos que ele trabalhava com os Bed Legs. Tinha contactos relativamente a vários concertos ou espaços de espetáculos, e era mais ou menos isso que a gente precisava. Precisávamos de uma garantia e credibilidade no meio. No entanto, os públicos dos projetos que ele tinha na altura não se cruzavam muito com o nosso, por isso tivemos que traçar o nosso percurso. Mas, também, este é um meio tão pequeno que quem conhece os Bed Legs acaba por vir conhecer os QUADRA. Por outro lado, acabou por representar bandas muito diferentes umas das outras, o que termina por representar também a cidade.

A.F.: Para terminar a nossa conversa, aproveito para te colocar uma questão, diria que já “clássica” nestas entrevistas. De uma perspetiva mais pessoal, qual o episódio (ou episódios) que te despertou a relação com a Música?

H.C.: Recordo-me bastante bem de estar na universidade – a segunda, uma vez que tirei dois cursos – e regressar, a certa altura, a casa dos meus pais, em Braga. Passava noites inteiras a compor e a gravar. Às vezes tocava bateria de madrugada! Sem descansar, sem comer, uma quantidade mínima de água... O empenho e a dedicação eram tantos, que uma pessoa acabava por se esquecer de se cuidar. Não me obrigavam, apenas não conseguia parar. Era um fascínio e uma obsessão! Isto era um período em que ainda fazia as coisas para mim. Depois metia no myspace. Não que seja um episódio específico, mas será talvez uma memória alargada. Ao acordar, tinha uma vontade imensa de escutar o que havia feito na noite anterior. Em parte, era uma sensação semelhante ao desporto: ter de acordar de manhã cedo para praticar um desporto. Sentia-se uma adrenalina e um vício saudável. Quanto a escutar Música... São poucas as pessoas que são instruídas desde infância a essa prática. Nem sempre se tem um familiar que nos indica certas referências. O meu pai era fã dos Led Zepellin e afins. O meu tio era mais do post-punk e new wave. Mas quando se é adolescente, acabas por ser influenciado pelas coisas mais ridículas, a puxar por emoções. Em parte, até se mistura com as tuas hormonas! Em 97/98, a banda por quem tive um fascínio maluco foram os Placebo. É engraçado que há bandas que envelhecem bem, e outras que nem tanto. Na perspetiva atual, não representam o que na altura representavam. Se reparares bem, vê-se uma tendência e um interesse crescente pelo nu metal por parte dos adolescentes – há dez anos atrás era impensável falares em nu metal, em Deftones, etc. São as próprias pessoas que presenciaram os movimentos que acabam por influenciar a perspetiva – no entanto, os miúdos não ligam à malta com 40 ou 50 anos, que lhes dizem se aquilo é fixe ou não. Encaram como “algo do passado”, sim, mas que lhes desperta muitos sentimentos. Sem estereótipos, sem preconceitos. Esta geração não tem os seus Nirvana ou as suas bandas de rebelião, de adolescência pura. Os únicos exemplos que eles têm agora não estão no rock, estão no hip-hop e trap. Quando escutam aquelas guitarras dos Deftones, acabam por se render. “Isto é muito fixe!”. O que não acontece com os Placebo: a perspetiva atual não os favorece... No entanto, a banda tinha uma reputação e prestação bem importante. Desde colaborações com David Bowie, álbuns bastante relevantes, ou até a representação da androgenia – que também poderia ser considerado um ato de rebeldia. Lembro-me de ter doze anos e escutar pela primeira vez os dois primeiros discos dos Placebo. Nesse período comecei a ouvi-los constantemente! E mais tarde, em 97, surgiram os Limp Bizkit que, assim como os Nirvana em 92, representaram um marco na Música. Mesmo que não se goste ou valorize a música, a verdade é que temos de dar relevo aos acontecimentos – aí ocorreu uma transição importantíssima em termos de espetro musical, marcando o regresso do angsty depois da ressaca da morte do Kurt Cobain. No entanto, esta recordação da obsessão pelos Placebo ainda permanece...

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