Dois Dedos De Conversa… | Otala

© Otala

A 22 de Setembro, Alfredo Fernandes conversou com os britânicos Otala, quinteto de Nottingham formado por Oscar Thorpe (voz/guitarra), Charlotte Foulkes (saxofone), Rory Allen (baixo), Fin Hills (bateria) e Jack McInnes (sintetizador). O quinteto britânico havia lançado na respetiva semana o seu mais recente single (“Everything but the Hate”), pelo que a conversa serviu para descobrir mais sobre os últimos lançamentos, a sonoridade e identidade que vêm desenvolvendo recentemente e aproveitar para discutir também a sua perspetiva acerca do estado da Música e das Artes no Reino Unido e Europa, nos últimos anos.


Alfredo Fernandes: Lançaram um novo single esta semana, “Everything but the Hate”. Como é que tem sido a receção ao single?

Rory Allen: Tem sido ótima, até agora. É diferente de tudo o que fizemos antes!

Oscar Thorpe: Sim, sem dúvida!

Charlotte Foulkes: Também estamos muito mais felizes com o resultado. É mesmo bom podermos lançar algo que é representativo do que somos neste momento e toda a gente gostar. É uma sensação muita boa!

A.F.: A primeira vez que ouvi o single achei-o totalmente diferente de “Commedia” e “Guatavita”. Isso surpreendeu-me, para ser sincero. Não estava à espera! Tenho-me apercebido de que são muito recetivos a uma grande variedade de descrições da vossa sonoridade. Como a descreveriam a alguém que se deparasse com uma das vossas músicas pela primeira vez?

R.A.: Não somos propriamente muito bons a descrever nossa própria música. Geralmente repetimos o que alguém nos disse recentemente (risos).

O.T.: Bem, pode-se dizer que estamos a tentar criar uma atmosfera, um ambiente desconfortável que, a certa altura, se torna simultaneamente bonito.

C.F.: Acho que é um pouco post-rock e jazz.

O.T.: Um contraste entre os dois.

A.F.: Um pormenor que se destaca ao ouvir as músicas - pelo menos, nos últimos singles - é a presença de uma voz claramente falada, e não cantada. Quais são as inspirações ou as influências que levaram a esta abordagem?

O.T.: Acho que não canto muito [nas músicas] porque sinto que as letras têm um sentimento próprio, são um pouco próximas de mim, e que é melhor cantá-las de um modo mais falado, narrado. Assim, soa-me mais pessoal.

C.F.: Acho que se prende bastante com o lado poético do Oscar.

A.F.: Como se o cantor nos convidasse, a nós, ouvintes, a ver a vida quotidiana através da sua perspetiva...

O.T.: Exatamente, é mais pessoal!

A.F.: A voz falada é algo que podemos ver noutros projetos britânicos dos últimos anos, como Black Country, New Road ou Blue Bendy. Poderíamos até apontar Dry Cleaning ou mesmo black midi. Por outro lado, há esta abordagem jazzística, que nos dá simultaneamente uma sensação de “escapismo”. Como é que equilibram estes aspetos comuns e a sensação de “escapismo”?

O.T.: Estamos a tentar criar todo este ambiente próprio, como referi, e tudo contribui para isso. Quando os instrumentos se juntam, tentamos incrementar esse ambiente. O saxofone torna-o um pouco mais sombrio, depois somam-se umas linhas de baixo bonitas. Tudo passa por esta alternância de atmosfera bonita para uma atmosfera mais sombria ou arrepiante que tentamos criar na música.

A.F.: Nunca me ocorreu a expressão “arrepiante”, mas é uma palavra bem interessante para descrever [o ambiente]! (todos riem)

O.T./R.A.: Sim, suficientemente próximo de sombrio! (risos)

C.F.: É suficientemente arrepiante! Além disso, acho que a razão que liga as coisas jazzísticas e a voz falada é o facto de todos termos influências diferentes. O nosso baterista, por exemplo, é bastante influenciado por jazz, e alguns de nós também o são. O saxofone também é mais influenciado pelo jazz. Tentamos associar as nossas próprias influências e o que ouvimos e é assim que vai funcionando. Incorporar tudo isto nem sempre é uma coisa intencional. Simplesmente acontece!

A.F.: Referiram que cada um tem influências diferentes. Será que conseguem uma ou outra dessas influências?

O.T.: O Fin gosta muito do Tony Williams, por exemplo.

C.F.: Gosto bastante de James Chance, o saxofonista. Quando estou a tentar ser mais abrasiva, é a ele [James Chance] que estou a canalizar. Não necessariamente no último single, mas quando estou a tocar ao vivo. Ele é - bem, “era” - muito bom a incorporar um género de improvisação de jazz no post-punk. Por outro lado, também ouvimos coisas aleatórias. Eu gosto de músicas pop e de soul moderno. O Rory gosta de eletrónica e funk.

A.F.: É curioso quando falas de pop ou eletrónica, géneros dissonantes, quando estamos quase a falar de pós-punk e jazz. Por exemplo, lembro-me de numa entrevista com uma banda de rock portuguesa [Daisy Capital Hotel], que não se enquadraria necessariamente no pop (risos), referirem que, durante a viagem, estavam a ouvir Justin Timberlake. É fixe quando os músicos têm esta variedade de inspirações! Por curiosidade, tiveram aulas numa escola de música ou são autodidatas?

O.T.: A maior parte de nós aprendeu a tocar na infância. No entanto, nenhum frequentou especificamente uma escola de música. Alguns tiveram algumas aulas soltas, sim, mas de um modo geral aprendemos de forma autónoma.

C.F.: Eu comprei um saxofone, há dois anos e meio, e aprendi tudo sozinha, a partir de vídeos no YouTube. Já eles começaram a tocar baixo e guitarra desde miúdos!

A.F.: Ao ouvir as músicas, nem passaria pela cabeça que começaste a tocar há tão pouco tempo! Bem, perguntei-vos isto porque há várias bandas hoje em dia que começaram a tocar em escolas de música. Por exemplo, os black midi – o caso mais óbvio -, os The Murder Capital, etc. Já agora, como é que é ser músico no Reino Unido dos anos 2020? O que acham que mudou nos últimos anos e o que poderá mudar nos seguintes?

R.A.: É relativamente difícil dizer, na verdade. Começámos a tocar em bandas há alguns anos, mas só estamos a tocar juntos há dois anos. Por isso, não conseguimos dizer bem como é que as coisas funcionavam antes. Quando começámos a formar as nossas primeiras bandas, todo o movimento de post-punk londrino, desde black midi a shame, estava no auge. Agora... Agora é algo “depois disso” e não é tão óbvio...

A.F.: Dá para perceber: há uns anos, gostávamos de ouvir, quase exclusivamente, todas aquelas bandas de post-punk. Agora podemos apontar uma grande variedade de bandas.

O.T.: É bastante excitante, honestamente. Há muita e boa música nova a sair!

© Otala

A.F.: A propósito... têm um sítio onde possam guardar os vossos instrumentos e material para os concertos? É fácil arranjar um estúdio para gravar um single, por exemplo, ou mesmo um sítio para ensaiar? E quanto a financiamento? Têm uma forma de financiar o vosso projeto? E por último, mas não menos importante, as salas de espetáculos... Bem, poderíamos ter uma longa conversa sobre esta temática! São muitas perguntas de uma vez só, eu sei - mas gostaria de estabelecer um paralelo muito breve com a situação em Portugal...

O.T.: Em termos de salas de espetáculos mais pequenas, ainda há muitos locais para ir. Também é agradável ver que ainda há pessoas que aparecem à porta e entram, sem conhecer as bandas. “Não sei quem está a tocar, mas vou espreitar!”. Acho que é muito importante manter estas pequenas salas de espetáculos, é sempre emocionante ver estas bandas de que nunca ouvimos falar e sermos influenciados ou simplesmente apreciarmos a sua música. Quanto a estúdios... há muitos estúdios para ensaiar, praticar ou gravar. Só tens de os procurar...!

R.A.: Bem, no nosso caso especificamente, tem sido mais difícil do que deveria ser. Não vivemos todos no mesmo sítio - dizemos que somos uma banda de Nottingham, mas nunca nenhum de nós viveu lá ao mesmo tempo. Alguns vivem em Londres, outros em Sheffield... Por isso, não conseguimos ter um espaço próprio para ensaiar ou onde guardar os instrumentos. Estamos sempre a viajar.

C.F.: Por acaso, acho que Nottingham tem menos salas de ensaio e estúdios do que, por exemplo, Sheffield. Às vezes, viajamos até lá para gravar. Porém, os nossos últimos singles foram gravados em Londres, porque há muito mais estúdios e salas de ensaio. Londres é uma cidade maior, por isso, obviamente, tem muito mais espaços deste género.

A.F.: É um bocado óbvio - como capital, tem mais para oferecer. O mesmo se aplica a Lisboa, em Portugal. Já o mesmo não se pode dizer de salas de espetáculos, mas isso é outra história...

C.F.: Não, isso é muito importante! E também é bastante angustiante! As pequenas salas de espetáculo de que gostávamos imenso foram fechando e isso tem um impacto na comunidade local. Penso que é um efeito da pandemia de Covid-19. A maioria dos locais tem vindo a fechar ou a ter cada vez menos concertos. É um reflexo direto da pandemia. O Reino Unido não tem sido capaz de financiar as Artes ou ajudar as salas de espetáculo como alguns países ou mesmo algumas cidades fazem e apoiam as suas salas de espetáculos. Seria sem dúvida melhor se tivéssemos um bom financiamento para as Artes - o Reino Unido tem uma história tão rica com a Música e as Artes, mas não é de todo valorizada pelo Governo.

A.F.: Exato. O Reino Unido é visto por muitas pessoas como um importante centro cultural. É triste ver que não valorizam [a Música e as Artes] da mesma forma que nós.

R.A.: Outro exemplo é o facto de ser cada vez mais complicado ir para fora do Reino Unido. Antes do Brexit, era extremamente importante para muitas bandas tocar na UE, para que muitas mais pessoas as pudessem ver ao vivo. Agora, para nós, não houve qualquer esforço por parte do último Governo - e parece que também não haverá por parte deste - para facilitar a atuação de bandas na UE. Por isso, é quase impossível para algumas bandas tocar fora do Reino Unido.

C.F.: Na verdade, o Governo holandês tem muito financiamento e há uma variedade de pequenas salas de espetáculos na Holanda. O financiamento das Artes na Holanda também funciona da forma como acho que deveria ser feito. Pagam para as bandas se deslocarem ao Reino Unido e a outros países da UE, para tocarem lá. Isso seria algo completamente insano para pedirmos ao Governo para conceder!

A.F.: Isso é uma realidade muito triste...

R.A.: Sim. É uma treta, mas, ao mesmo tempo, é a razão que nos motiva a manter estas pequenas salas de espetáculos. Ajuda a comunidade musical a juntar-se mais na cidade onde vive e a apoiar as pequenas salas de espetáculos onde já tocou, mais do que pensar em tocar noutros sítios. Não é assim que deveria ser, mas pelo menos há algo de bom nisto tudo.

A.F.: Bem, eu ia perguntar-vos se uma digressão europeia seria uma possibilidade, num futuro próximo. Porém, acho que a pergunta já não parece encaixar...

C.F.: Neste momento, parece impossível encontrar uma forma de a financiar, mas esperamos mesmo que, a dada altura, o consigamos fazer. Provavelmente, teríamos de encontrar um certo tipo de apoio para fazer alguns concertos e desenvolver a nossa capacidade de o fazer primeiro, e só depois certificarmo-nos de que é grande e bom, em vez de perdermos dinheiro com isso.

O.T.: Talvez no início do próximo ano. Quem sabe...

C.F.: Quem sabe...!

A.F.: Então, vou ficar à espera de notícias. E a torcer por um concerto em Portugal! A propósito, tocaram recentemente no [festival] Dot to Dot. Na vossa perspetiva, qual é a importância deste tipo de festivais na promoção de artistas/bandas emergentes?

R.A.: Acho que esse festival em específico é um caso interessante. Fazemo-lo todos os anos porque as pessoas vêm ver-nos e é sempre bom ser um dos nomes no cartaz. No entanto, comparando-o com outros festivais equivalentes, como o Left of the Dial, nos Países Baixos... Nesse caso específico, eles pagam-nos para tocarmos lá, dão-nos comida, alojamento, etc. No Dot to Dot não nos pagam. É totalmente diferente.

O.T.: Eles também garantem um público decente [no Left of the Dial].

C.F.: Digamos que é uma grande noite para veres bandas que querias ver há algum tempo, num espaço de 72h, e tocares entre muitos dos teus amigos, na mesma cidade.

A.F.: Relativamente ao Left of the Dial, não se importam de destacar uma ou duas bandas da edição do ano passado, que também tenham gostado de ver?

O.T.: Os Chalk são muito bons.

R.A.: E também os The New Eves. Eles foram mesmo muito bons!

A.F.: Como é que vão acompanhando a constante mudança e evolução da Cultura, Arte e Música britânicas?

O.T.: É fixe ver que esta mudança é tão frequente, há várias subculturas que estão constantemente a mudar. No entanto, suponho que se trate menos de acompanhar e mais de experimentar o que queremos e ver se as pessoas nos acompanham nessas experiências. Neste momento, a tendência mais popular é sobretudo eletrónica.

C.F.: Pensando bem, há uma espécie de movimento de revivalismo folk neste momento, no Reino Unido. Por exemplo, bandas como Tapir! ou os The New Eves, entre outras. No fundo, a melhor maneira de não perderes relevância é continuares a ser tu próprio. Se tentares seguir uma tendência, estás a perder a tua originalidade. Temos de continuar a ser nós próprios e não uma cópia de outra coisa.

O.T.: E esperar que, um dia, a moda chegue! (risos)

A.F.: Penso que essa mensagem é uma ótima maneira de concluir a nossa conversa. Contudo, tenho uma última pergunta para vocês. Numa entrevista que deram à FlyLive, perguntaram-vos que tipo de biscoito seriam - não responderam, mas disseram que tinham uma boa resposta para uma entrevista seguinte. Tenho de admitir que estou curioso para saber qual é! (riso)

R.A.: Sim, ela [Charlotte] disse uma coisa muito boa, que tinha uma ideia do tipo de biscoitos que éramos. Nós dissemos que nos íamos lembrar e usar isso como resposta... Não me consigo lembrar do que era! (todos riem)

C.F.: Sou terrível! A entrevista já foi há muito tempo, foi há uns meses.

O.T.: Diria que sou Jaffa Cakes.

R.A.: Também sou Jaffa Cakes.

C.F.: Eu sou mais Ginger [Biscuit].

O.T.: Pensando bem, Jaffa Cakes não é bem um biscoito, mas...

Anterior
Anterior

Dois Dedos De Conversa… | 20 Anos De Xmas Rock Fest

Próximo
Próximo

Dois Dedos De Conversa… | Otala (English version)